Como forma de homenagear o Padre Lourenço Biernaski, relembramos com carinho a entrevista dada por ele ao Boletim TAK! nº 19.
TAK! – Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória de vida, e sua experiência no sacerdócio.
L.B. – Nasci na colônia Dom Pedro II. Meu pai Antônio veio com os avôs Pedro Biernacki e Maria Filar de Jablonice – Tarnów em 1885, com apenas 3 ou 4 meses. Contraiu matrimônio com Francisca Walenga. Somos uma família de 11 filhos/as, todos já na eternidade, apenas sobraram os sobrinhos/as, sobrinhos/as netas e até sobrinhos bisnetos.
Os Padres de Órleans eram missionários poloneses da Congregação da Missão, em polonês Księża Misjonarze. Na Colônia Dom Pedro havia a Escola dirigida pela Irmãs da Sagrada Família que todos frequentavam durante quatro anos.
Lá surgiu a vocação e o Pe. Silvestre Kandora logo se comunicou com o Pe. Wiktor Dewor Diretor do Seminário
Menor S. V. P. e após uma visita e entrevista rápida me inscreveu, mandou preparar o enxoval e me apresentar no dia 2 de fevereiro de 1942, o que de fato aconteceu. Os seminaristas frequentavam as aulas no Instituto Santa Maria. Somente em 1943 é que passamos a ter aulas ginasiais no próprio Seminário com os padres e professores leigos, sendo um deles Dr. Antônio Firakowski (aliás ex-aluno da Bursa de Oswiata).
Fiquei ali estudando até final de abril de 1947, pois os Padres resolveram enviar os primeiros candidatos para os
estudos de Filosofia e Teologia para França. Em Paris, Saint Lazare, onde se encontram as relíquias do corpo de
São Vicente de Paulo, fiz o noviciado, a Filosofia e os votos na Capela das Aparições de Maria a Santa Catarina Labouré, Rue du Bac. Era tempo de pós-guerra, pobreza, tudo racionado! A Teologia foi em Dax, sul da França. Lá, fui ordenado no dia 13 de março de 1954. Tive a graça de celebrar a Missa na Casa de Ranquines, Casa onde nasceu São Vicente de Paulo, hoje transformada em Capela e na Gruta de Lourdes. E tendo concluído os estudos de Teologia, em agosto, voltei para Curitiba e logo fui destinado para o Seminário Menor de Araucária, como professor
de francês e outras matérias.
Depois, em Curitiba, fui Diretor do Seminário Maior. E mais tarde, durante 15 anos me dediquei às Missões nas paróquias dos três Estados do Sul do Brasil.
TAK! – Fale aos nossos leitores um pouco sobre a instituição dos Padres Vicentinos, e a congregação vicentina quanto ao carisma, função, objetivos, foco de atuação, países atendidos e relação com a cultura polonesa.
L.B. – A Congregação da Missão foi fundada por São Vicente de Paulo, no século XVII, na França. Em 1653, São
Vicente enviou os primeiros missionários para Varsóvia. A Província na Polônia cresceu muito, de sorte que
no ano de 1903 enviou os primeiros Missionários Poloneses para o Brasil, a fim de dar atendimento aos imigrantes, que eram alguns milhares e muito espalhados pelos Estados do Brasil. Seguindo o carisma, os missionários aceitaram algumas paróquias com maior número de imigrantes poloneses, como Tomás Coelho, Órleans, Abranches, Santa Cândida, Prudentópolis, depois Irati, Ivaí-Calmon, Rio Claro, São Mateus, Itaiópolis, Alto Paraguaçu, Guarani das Missões, Ijuí, Treze de Maio/RS. Dedicavam-se de corpo e alma, nestas localidades para
promover os imigrantes espiritualmente e também culturalmente, abrindo escolas e capelas no interior do país,
para que as crianças e a juventude conservassem as tradições polonesas, a língua e principalmente a fé. Outros dedicavam-se à pregação das Missões Populares nas paróquias com a maior presença de imigrantes poloneses, reanimando a fé nas famílias e auxiliando assim os párocos na renovação espiritual dos fiéis. As crônicas das missões escritas por alguns missionários, como o Pe. João Wislinski, revelam o dinamismo renovador provocado por meio dos exercícios e práticas das missões. Naquela época, as missões eram realizadas em idioma polonês e aos poucos foram dadas também em português para outras nacionalidades.
Eu pessoalmente ainda peguei esta época e dei missões nos dois idiomas, enfrentando dificuldades nas confissões com as pessoas que só falavam o alemão ou em ucraniano. Em Prudentópolis, principalmente, os missionários poloneses que dominavam o idioma alemão pregavam nos três idiomas, polonês, alemão e português até a época da
nacionalização. E nas missões, dedicavam algumas horas para as famílias germânicas, pois as pessoas mais idosas
não compreendiam o português.
TAK! – Quais as principais ações realizadas por esta instituição no Brasil e em outros países? E como é realizado o atendimento aos pobres, as missas em polonês e as paróquias vicentinas que têm relação com a cultura polonesa como: São Vicente de Paulo, de Abranches, da Orleans, da colônia D. Pedro II, por exemplo.
L.B. – Seguindo o carisma vicentino, os padres organizavam nas paróquias Sociedades Beneficentes e Agrícolas
para ajudar os colonos a melhorarem as suas vidas, com a importação de sementes de cereais, mudas de batatas, cepas de vinhas, gado bovino, equino etc. Trabalhavam, por isso, não só na evangelização, proclamação da Palavra de Deus e catecismo para crianças, mas na promoção social e cultural dos imigrantes poloneses.
A celebração das Missas naqueles tempos era em latim, assim como todos os outros sacramentos, mas a pregação
era dada em polonês e, também em português, principalmente depois da nacionalização das escolas. Graças à Exsul
Familia de Pio XII (1952) e à instituição da Missão Católica Polonesa hoje Reitoria, confiada no início aos Padres da
Missão a pastoral com os imigrantes tomou novos rumos, principalmente a partir do Concílio Vaticano II, quando a Liturgia voltou a ser em língua do povo e do país.
Na Igreja São Vicente de Paulo, devido ao número elevado de imigrantes refugiados da II Guerra Mundial, havia a celebração da Missa aos domingos às 10 h., com a pregação, cantos e catequese das crianças em polonês durante décadas.
Hoje celebram-se Missas em polonês, por ocasião de festas paroquiais ou em circunstâncias especiais e anualmente a festa de Santa Ana em Serrinha (Contenda) e as Missas do 5º domingo do mês em Colônia Cristina/Araucária.
Os Padres Poloneses cultivavam a língua e as tradições através da imprensa: LUD, KALENDARZ LUDU, publicação de livros e dicionários, livrinhos de orações, novenas, cantos etc. A promoção do Folclore Polonês, sob a regência do Pe. José Zajac, Pe. Jorge Morkis e Pe. Leon Lisiewicz, influiu muitíssimo na divulgação da polonidade no Brasil.
TAK! – Quais as pretensões e expectativas da instituição para a comunidade polonesa no Brasil?
L.B. – A eleição de Karol Wojtyła como Sumo Pontífice, suas viagens apostólicas com seu entusiasmo, sua energia,
sua proximidade com o povo, contribuiu definitivamente para a identidade da nação polonesa no mundo. Hoje, ninguém tem vergonha de ser chamado de polonês. E o Brasil, que foi o primeiro país a reconhecer a Polônia Livre em 1919, continua mantendo excelentes relações com a Polônia, um intercâmbio cultural também na parte da literatura em ambos os países. Impressionante como os jovens mesmo sem descendência polonesa, mas que participaram da Jornada Mundial da Juventude na Polônia, ficaram encantados e divulgam as tradições e demonstraram vontade de aprender a língua e de voltar para lá.
O apoio, a presença e o testemunho são os melhores meios de dar continuidade na promoção das tradições e
cultura polonesa.
TAK! – Segundo o senhor, qual a importância de manter a comunidade polonesa ativa no Brasil mesmo depois de mais de um século de emigração e também o seu legado? Conte-nos um pouco da colônia polonesa de D. Pedro II, da qual saíram alguns padres vicentinos, como o senhor.
L.B. – Para a sobrevivência e renovação do passado, com projeção para o futuro, com novos projetos e segundo as
necessidades dos tempos atuais, poderão contribuir a leitura e o conhecimento de personagens que se destacaram
e fizeram história no Brasil e no mundo. Posso citar aqui dois personagens, que apresento: um era médico oftal–
mologista e padre – Wenceslau Szuniewicz, missionário polonês vicentino, com sua aventura na sua juventude e
na I Guerra Mundial, depois padre-missionário vicentino na China e no Brasil. Depois de alguns anos de médico na
Polônia, em 1930, com 30 anos de vida, entrou no Seminário e se tornou padre e logo foi para China, onde fez um
trabalho extraordinário. Impedido pelo regime comunista, em 1949 retirou-se e dirigiu-se para América do Norte
e depois para o Brasil. O livro: “Wenceslau Szuniewicz – Médico e Padre – A sua aventura humano-missionária”, já
está impresso e sendo divulgado.
Outro, em preparação, é: “Dom Inácio Krauze, CM – 1896-1984 – Apóstolo e Testemunha – China – Brasil”. De
1920 a 1929, o Pe. Inácio Krauze esteve no Brasil, trabalhando em Prudentópolis como vigário cooperador do Pe.
Ludovico Bronny. Em seguida viajou para China, como Superior do Primeiro Grupo de Missionários Poloneses. Dom Inácio, preso em dezembro de 1946, passou o Júri Popular Comunista, a prisão e a expulsão da China em 1949. Desde 1953 até a sua morte trabalhou no Brasil, Joinville, e no Paraná, preparou a criação de duas novas Dioceses, de Campo Mourão e Toledo, e foi Bispo Auxiliar de Curitiba, falecido em 1984 e sepultado na Capela do Colégio São
Vicente de Paulo e Bom Jesus em Araucária. São dois personagens de alta cultura, fé e testemunho que enaltecem a Igreja, mas também a Polônia e dão ânimo para vivenciarmos a nossa origem com toda dignidade e contribuirmos, como eles, com os valores e riquezas da cultura com que a Providência nos beneficiou.
TAK! – Fale-nos um pouco sobre a importância do Arquivo Polônico, que se encontra sob a supervisão dos Padres Vicentinos.
L.B. – O Arquivo Polônico, um dos mais ricos segundo dizem os entendidos, bem como a Biblioteca Polonesa
com cerca de 18 mil volumes, estão sempre à disposição das pessoas interessadas em conhecer ou fazer pesquisas
para o conhecimento próprio ou para estudos e publicações, como já fizeram tantos alunos de Universidades para
apresentação de seus trabalhos de pós-graduação aqui no Brasil. Os professores da Universidade de Varsóvia frequentemente passam semanas fazendo os trabalhos de seu interesse, tanto no Arquivo como na Biblioteca.
TAK! – Qual o futuro destes preciosos acervos; existem perspectivas a médio e longo prazo?
L.B. – Pergunta curiosa e interessante. Como prever o futuro com a pandemia? temos que ter confiança nas pessoas que continuarão a cuidar, como até agora foi passando de um para outro. Tudo depende do interesse dos
Superiores da Província, que em geral, são pessoas responsáveis e dão valor ao passado deixado com tanto esforço e carinho. Há também um interesse muito grande da Universidade de Varsóvia, enviando há alguns anos já,
Professores/as e Doutores/as para scanear e fazer copias, etc. Da minha parte, faço o meu dever, procurando melhorar cada vez mais. Outros farão também o seu trabalho, melhor ou pior, mas não há dúvidas, tudo será conservado e preservado como até o momento!